João Pedro e George Floyd: por que vidas negras não importam para o Estado?

Atos de tensionamento racial eclodiram por todos os lados dos Estados Unidos desde a semana passada e, aos poucos têm provocado discussões em outros lugares do mundo onde pessoas negras são vítimas. A morte de George Floyd, um homem negro de 46 anos, asfixiado durante quase nove minutos por um policial branco, motivou as manifestações contra o racismo. A população que protagoniza as ações diz basta ao racismo institucional que violenta e mata pessoas negras todos os dias no país.

O caso de George não é isolado. A cada mil homens negros, um deve morrer pelas mãos da polícia estadunidense. A violência policial já é uma das principais causas de morte desse grupo, é o que mostra a pesquisa realizada na Universidade Rutgers em 2019 pelo sociólogo Frank Edwards. A realidade brutal, no entanto, não é tão distante quanto parece. No Brasil, a herança escravocrata continua girando as engrenagens do racismo, que torna a população negra o principal alvo de assassinatos do tipo.

A polícia brasileira é uma das mais letais e violentas do mundo. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, 6.220 pessoas foram mortas por intervenções policiais em 2018. O perfil das vítimas é semelhante ao que enxergamos na pesquisa realizada nos EUA: 99,3% homens; 77,9% entre 15 e 29 anos; e 75,4% negros. As mortes registradas representam um aumento de 20% em relação ao ano anterior.

A manutenção das ações brutais e ostensivas da polícia, responsáveis por ameaçar vidas negras ao invés de protegê-las, demonstra uma política de estado constantemente reforçada e encorajada. A naturalização de mortes pretas e periféricas após 132 anos de uma falsa abolição constitui um projeto de genocídio. A falta de sensibilização e ações efetivas continua demonstrando que vidas negras não importam para o estado brasileiro, e agora, com um governo federal ultradireitista, muito pelo contrário.

Em algumas situações, a bolha da inércia e da invisibilidade é estourada mostrando a verdadeira face da livre ação policial, principalmente em operações realizadas em favelas do Brasil. Foi o caso do menino João Pedro, de 14 anos, morador do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio, assassinado dentro de casa pela polícia no último dia 18 de maio. 70 marcas de tiros de fuzil foram disparados pelos policiais na casa em que também estavam outras crianças.

Se na ocasião da morte, as únicas manifestações de luto e sensibilização mais fortes ficaram por conta de movimentos negros e ativistas da causa, agora, com a onda de protestos iniciado nos Estados Unidos, o Brasil talvez possa ver o debate racial finalmente sendo pautado. Isso porque a discriminação baseada na raça e o racismo estrutural brasileiro sempre foram minimizadas por uma construção de uma unidade Estado, fundamentada por teorias como a Democracia Racial.

Para o autor Sílvio Almeida, no livro O Racismo Estrutural, o racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea. Sem a discussão e o enfrentamento às questões de raça, que envolvem toda a estrutura da sociedade, na sua organização econômica e política, a população negra continuará sendo a mais pobre, a mais marginalizada e aquela que mais morre pelas mãos do estado.