Paralisação de entregadores de aplicativo expõe as condições precárias de trabalho da categoria

Entregadores de aplicativo reivindicam remuneração justa e medidas de proteção durante a pandemia em paralisação nesta quarta-feira (1). A mobilização organizada pelos trabalhadores tem o objetivo de cobrar das empresas mudanças em problemas que ocorrem desde antes da crise sanitária, mas que se intensificaram durante o período.

O isolamento social impôs uma nova dinâmica de vida para a população. Devido a restrição de saída das casas, muitas pessoas, principalmente aquelas em grupos de risco, passaram a se apoiar nos serviços oferecidos por aplicativos de entrega, como o caso do Rappi, Ifood e UberEats, por exemplo, para adquirir alimentos e outros itens.

O trabalho do setor foi classificado, de acordo com decreto presidencial de março de 2020, como “atividade essencial para fins de enfrentamento da disseminação do vírus”. Os entregadores puderam então continuar os trabalhos associados aos aplicativos, mas, a falta de vínculo trabalhista reconhecido com as empresas impõe condições ainda mais precárias durante a pandemia.

Entregadores de aplicativo durante a pandemia

Direitos como salário-base, folga, férias e medidas de saúde e segurança no trabalho, por exemplo, não são garantidos para esses trabalhadores. A legislação trabalhista, assegurada no Brasil por meio da CLT, não é válida para a modalidade.

“A fragilidade dessas relações de trabalho torna os trabalhadores mais suscetíveis a práticas injustas dos empregadores, que tendem a se intensificar em períodos de crise econômica, como é caso atual da pandemia”, explicou o pré-candidato a prefeito de Paulista/PE Fábio Barros.

Baixa remuneração aos trabalhadores

A flexibilização, vendida como fator positivo para os trabalhadores, expõe uma série de dificuldades do serviço. A variação nos rendimentos é uma delas.

Com o aumento da demanda, poderia-se imaginar que a remuneração adquirida nas entregas seguiria a mesma tendência, mas a realidade se mostrou diferente. Segundo pesquisa feita pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho), 60,3% dos entregadores relatam queda na remuneração em relação ao período anterior à pandemia.

Os trabalhadores afirmam que as empresas têm diminuído o valor da hora de trabalho e direcionado os rendimentos para lucro próprio, tendo em vista que não houve alteração nos valores para o cliente. Isso explica porque antes da pandemia cerca de 48,7% dos entregadores recebiam R$520,00 semanais, no máximo, enquanto hoje, esse grupo aumentou para 72,8%.

Em busca de uma remuneração justa e compatível com o serviço e as horas trabalhadas, os trabalhadores reivindicam reajustes nos pagamentos destinados pelas plataformas. A pauta se refere a aumentos dos valores por quilômetro rodado e da taxa mínima de entrega.

Saúde e segurança no trabalho

O processo epidêmico causado pelo novo coronavírus exigiu medidas rígidas de prevenção para todos os setores da sociedade. Desde o início da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou diretrizes para a contenção da doença, que incluem principalmente ações de higiene, proteção e distanciamento.

Para os trabalhadores formais, os empregadores têm a obrigação de fornecer os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e todos os meios para a garantia da saúde e segurança durante a realização da atividade laboral. Já no caso dos trabalhadores informais, como é o caso dos entregadores, a falta de obrigação das empresas têm sido mais um problema.

A pesquisa do Remir Trabalho feita no início da pandemia apontou que 62,3% dos trabalhadores entrevistados afirmaram não ter recebido apoio das empresas para prevenir a contaminação durante as entregas. A maioria teve que custear os equipamentos e itens de higiene por meio de recursos próprios, o que gera mais uma despesa.

O estado de São Paulo conseguiu, por meio de portaria do Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde do dia 10 de junho, cobrar a responsabilidade das empresas. Elas ficaram obrigadas a fornecer kits de higienização para as mãos e equipamentos de trabalho e máscaras para os entregadores no estado.

A realidade não é a mesma para todo o país, por isso, os entregadores envolvidos na manifestação reivindicam o auxílio durante a pandemia. O pedido está direcionado ao fornecimento de EPIs e licença remunerada em caso de contaminação da Covid-19.

A proteção em caso de acidentes e roubos também é uma demanda feita pelos trabalhadores, já que geralmente trabalham em veículos mais propícios a acidentes, como é o caso de motos e bicicletas. Por isso, a pauta se estende a seguros de roubo, acidente e vida dos entregadores em caso de intercorrências durante a realização do trabalho.

Ações abusivas e arbitrárias das empresas

Durante a pandemia, os trabalhadores observaram o crescimento de uma prática arbitrária por parte das empresas. Muitos entregadores começaram a ser bloqueados e desligados do aplicativo sem explicação e sem suporte oferecido pelas plataformas.

A interrupção imediata dos bloqueios e desligamentos sem justificativas também está na lista de reivindicações da categoria, junto ao encerramento do sistema de pontuação adotado especificamente pela Rappi.

Segundo os entregadores, a empresa criou uma política que penaliza o trabalhador. Caso o entregador não realize o trabalho de durante todo o fim de semana, ele não consegue se conectar e fazer entregas na semana seguinte pelo aplicativo. A medida impõe uma jornada de trabalho extensa durante todos os sete dias da semana. Os entregadores defendem o direito de escolher quando ligar o aplicativo e trabalhar.

Precarização dos trabalho informais e a tecnologia

A adesão a essas modalidades de trabalho, mesmo com todas as formas de precarização e exploração do trabalho apontadas, explica o problema da informalidade no país e da falta de postos de emprego formais.

Dados divulgados pelo IBGE em 2019 estimam que quase 20 milhões de brasileiros estão trabalhando na informalidade, o que corresponde a cerca de 41,4% da população ocupada. Muitos desses trabalhadores têm recorrido às novas modalidades de trabalho proporcionadas pela tecnologia, como é o caso dos aplicativos de entrega.

Em 2019, aproximadamente 666 mil novos motoristas por conta própria surgiram de um trimestre para outro, é o que mostra os dados da Pesquisa Nacional de Empregados e Desempregados (Pnad) Contínua Trimestral. A alta dos números é explicada pela informalidade e o crescimento dos trabalhos por aplicativo.

A saída encontrada por brasileiros para fugir do desemprego, no entanto, tem gerado os diversos problemas citados nesta matéria. A precarização é tanta que os trabalhadores, mesmo sem vínculo trabalhista reconhecido, se mobilizaram para reivindicar condições justas e dignas.

“Não queremos acabar com esse trabalho, o avanço tecnológico é necessário e não vai ser parado, mas ele não pode ir na contramão dos direitos dos trabalhadores, dos direitos humanos. Precisamos apoiar os entregadores e pedir junto com eles melhores condições de trabalho para um serviço que tem se mostrado tão necessário”, defendeu Fábio.