Desde a última semana, quando o Governo Federal divulgou a campanha do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, por meio da qual defendia a manutenção do calendário de inscrições e provas, mesmo em meio a uma pandemia, o movimento #AdiaEnem ganhou força nas redes sociais. A reivindicação iniciada por estudantes pressionou o Governo, que na última quarta-feira (20) cedeu e anunciou o adiamento, após aprovação no Senado de Projeto de Lei que defendia o cancelamento.
Os motivos levantados pela manifestação levam em consideração a interrupção das aulas na maioria das escolas, principalmente da rede pública, e as duras condições de desigualdades sociais do país, que deixam explícita a impossibilidade da realização de um exame justo e democrático de acesso ao ensino superior. O acesso assimétrico ao ensino, intensificado pelas medidas necessárias de isolamento social, agravam as desigualdades e podem refletir no cenário das universidades, caso a prova viesse a ocorrer sem interrupções.
“Se antes os estudantes de baixa renda, na sua maioria pretos e pardos, já enfrentavam obstáculos em acessar o ensino superior, agora pode-se imaginar um muro que os barra na entrada. É possível que a gente visse universidades como eram há dez, quinze anos atrás, quando ainda não existiam iniciativas de universalização do acesso ou políticas de cotas, e eram frequentadas apenas por estudantes brancos das classes altas” refletiu Fábio Barros, pré-candidato a prefeito da prefeitura de Paulista/PE e professor formado por universidade pública.
A recomendação inicial do Ministério da Educação foi de que os estudantes deveriam se preparar para o exame por meio de atividades à distância, materiais e aulas encontradas na internet. Posicionamento que revela a completa falta de senso de realidade ao negligenciar o número de 30% das casas que não possuem acesso à internet, ou mesmo projeta o retrocesso, quando mostra privilegiar aqueles estudantes que conseguiram continuar os estudos.
É o caso de instituições pertencentes a grandes sistemas de ensino, que puderam preparar um ambiente de ensino virtual para atender os alunos, uma parcela mínima do universo de candidatos ao exame.
Ao contrário, a decisão tomada pela maioria dos governos estaduais, aos quais cabe a responsabilidade pelo ensino médio, como é o caso de Pernambuco, foi a suspensão das aulas logo após o início do ano letivo, em meados do mês de março, quando a epidemia já atingia a maior parte do Brasil.
Mesmo em estados como São Paulo, que desenvolveu aplicativo próprio com aulas remotas disponíveis para todos os alunos, o sistema apresenta falhas no nivelamento no conteúdo do ensino.
Condições precárias de moradias nas periferias e favelas também são fatores que afetam o rendimento dos estudantes, sem espaços adequados para a concentração devida e realização das atividades. A estrutura proporcionada pelo espaço físico das escolas, bibliotecas, salas de informática, além do acesso direto aos professores são fundamentais ao desenvolvimento e aprendizagem, principalmente quando se trata de uma preparação para as provas.
As problemáticas se relacionam às condições de ensino precarizadas pela pandemia, mas não só isso. A crise sanitária tem relação direta com as questões práticas, de ordem de saúde pública, que envolvem uma prova de abrangência nacional como o Enem. “É improvável pensar que salas de aula poderão ser cheias com mais de 50 alunos daqui a poucos meses quando a recomendação mundial é o distanciamento e isolamento sociais. É cruel pensar na manutenção da prova enquanto o Brasil enterra mais de 1.000 mortos por dia, como aconteceu ontem.”, disse Fábio.
O recuo do Governo Federal diante do movimento criado e fortalecido na internet, no entanto, não demonstra sensibilidade com a causa dos estudantes, principalmente àqueles em vulnerabilidade, pelo contrário, é uma preocupação em torno dos próprios interesses políticos. O projeto que seguia para a Câmara apresentava fortes chances de ser aprovado, o que contaria como mais uma derrota para o presidente Bolsonaro e o ministro da Educação, Abrahan Weintraub.
O barulho feito pelos estudantes obrigou Bolsonaro a decidir, junto ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pelo adiamento da edição 2020 do Enem. A nova data será definida por meio de uma consulta pública com os participantes. Mesmo assim, é cogitada a opção de adiamento de 30 e 60 dias, o que, tendo em vista os argumentos levantados a respeito do prejuízo na falta de aulas da rede pública, é um prazo ainda ineficiente.