Protestos, manifestações e muito debate. Dentre tantas crises e transformações sociais, 2020 também tem sido o ano no qual a luta contra o preconceito racial ganhou uma força poucas vezes observada em nossa história recente. A indignação contra o racismo em todos os setores da sociedade se intensificou em todo o mundo e parece não dar sinais de cansaço. Movimentos antirracistas e lideranças globais parecem emitir o alerta: o racismo tem que acabar.
Hoje, Dia da Consciência Negra no Brasil, a luta contra o racismo fica ainda mais forte e nos traz alguns questionamentos. Por que, em meio a uma pandemia devastadora, o racismo tem ganhado centralidade no debate? O que pode ser feito, de forma objetiva, para combatermos o racismo estrutural? No Projeto Municipal de Desenvolvimento (PMD) que elaboramos para o município de Paulista/PE, destacamos uma série de proposições voltadas para o combate ao preconceito racial, que buscaremos elucidar com mais detalhes a seguir.
Vidas Negras Importam
João Pedro. George Floyd. Dois negros assassinados por conta do preconceito. Estes nomes, assim como tantos outros, hoje, simbolizam a urgência que se faz em enfrentarmos o racismo com todas as nossas forças. Em um ano onde o mundo inteiro sofre por uma pandemia que destruiu a vida de milhões de famílias, estes casos causaram indignação e expuseram um tema que há anos vem sendo discutido mas que até hoje não foi solucionado: a repressão policial.
No Brasil, os índices são alarmantes. Mais de 75% das vítimas de homicídio são negras e no sistema prisional o número também assusta: 61%. Quando associamos esses dados ao modo como as forças policiais atuam, especialmente nas periferias, se torna latente a constatação de que há neste cenário um racismo estrutural cruel e ainda predominante, no Brasil e no mundo.
Esta realidade se torna ainda mais perceptível quando em um dia como hoje (20), data em que celebramos a Consciência Negra, o país acorda com a notícia de um crime brutal cometido contra um negro por seguranças de um estabelecimento comercial. O racismo é uma realidade presente e tem que acabar. Não podemos nos calar diante do preconceito.
Paulista/PE: uma maioria negra marcada por anos de esquecimento
Situada no litoral norte pernambucano, a cidade de Paulista/PE está entre as 100 cidades mais populosas do país e tem em sua composição étnica uma larga maioria composta por pessoas de cor preta ou parda. Este quantitativo dialoga com o triste quadro de pobreza existente na cidade. As regiões com maior quantidade de pessoas negras ou pardas também são aquelas com menor poder aquisitivo. Este quadro, por si só, já implica a compreensão de que há em Paulista/PE uma relação estrutural entre a sua população negra e os índices de pobreza, e impõe ao poder público uma série de medidas que visem o desenvolvimento econômico da população através de políticas públicas destinadas exclusivamente aos negros.
Entretanto, ao longo dos últimos anos, nada foi feito. Descomprometida com qualquer modelo eficiente de gestão, a administração pública de Paulista/PE vem desprezando o movimento negro, sem promover nenhuma ação direta para combater o racismo ou promover melhorias para a qualidade de vida da população negra na cidade. O resultado da omissão tem sido o aumento dos índices de desemprego e, consequentemente, da pobreza. Em Paulista/PE, segundo dados do IBGE, mais de 40% das famílias vivem com uma renda mensal de meio salário mínimo. Grande parte dessas famílias são de origem negra.
Para uma cidade como Paulista/PE, as políticas sociais são essenciais para o desenvolvimento local, especialmente as políticas voltadas para a população negra. É preciso garantir educação, saúde, segurança e oportunidades, para que possam viver com dignidade e construir melhores condições de vida. Tudo isto, todo este potencial, vem sendo desprezado nos últimos anos por parte do poder público da cidade.
O que podemos fazer para combater o racismo?
Educar, proteger e resistir. Muito embora os movimentos antirracistas, protestos e manifestações sejam da mais completa importância, por serem a expressão genuína da luta contra o racismo a partir da revolta popular, é preciso que o poder público promova ações que visem a completa extinção do preconceito através da promoção de oportunidades, da educação não preconceituosa, no combate ao fim dos estereótipos, dentre outras.
Tal conjunto de medidas só consegue atingir seu objetivo transformador se aplicado em todas as esferas sociais e isso inclui, indissociavelmente, os municípios. Em nosso PMD, ações como o combate à violência policial e o fornecimento de material escolar que estimule a formação não preconceituosa sobre grupos étnicos historicamente discriminados, são algumas das proposições apresentadas para a cidade de Paulista/PE.
A garantia de acesso à cultura também é uma das iniciativas mais fortes na construção de uma sociedade livre do racismo. Por isso, em nosso projeto destacamos a necessidade de recursos para a promoção da cultura negra, através da criação de pontos de cultura, espaços destinados às mais diversas expressões populares e culturais. Artistas locais de grande expressão, como Zeca do Rolete, Galo Preto, Nega do Babado, Dinah Santos e tantos outros, são representantes da cultura negra e hoje não encontram nenhum espaço onde possam apresentar sua arte.
Paulista/PE é uma cidade carente destes espaços e tal defasagem impõe um retrocesso cultural, onde a sociedade distancia-se de suas raízes, impulsionando o preconceito. A reversão deste quadro deriva de ações públicas que coloquem a cultura negra em contato direto com a população, para que possam através dela reconhecer-se e orgulhar-se de suas origens.
O Dia da Consciência Negra é um momento para, mais do que refletir sobre o racismo, nos posicionarmos de forma objetiva no seu enfrentamento. Um mundo justo, digno e igualitário é prerrogativa básica para a coexistência humana em sociedade e, para isso, é preciso de união entre todos. A participação ativa de todos nesta luta, mais do que nunca, é o único caminho possível